Da vida coletiva à vida privada: como nasceu o conceito de privacidade?

Quando a máquina fotográfica foi criada, no fim do século 19, nos Estados Unidos, os jornais americanos começaram a publicar fotos da alta sociedade da época, dando início às famosas colunas sociais e de
celebridades. Grandes festas e eventos eram fotografados e publicados. Porém, a curiosidade sobre a vida alheia estimulou um jornal a publicar fotos íntimas da filha de um grande advogado americano: Samuel Warren. Um escândalo em 1890.

A partir desse episódio, Warren decidiu se dedicar ao tema da Privacidade junto com o também advogado Louis Brandeis. Ambos assinaram o artigo “Right to Privacy” na revista Harvard Law Review, defendendo o “direito de estar só ou de ser deixado em paz”. Os autores reforçaram , principalmente, a necessidade de proteção da vida íntima e privada, em que “cada um pode agir e expressar-se da forma como lhe convier, livre do olhar dos outros”. Segundo eles, “fotografias e empresas de comunicação têm invadido o sagrado e privado espaço do lar. (…) A fofoca deixou de ser um vício ocioso para tornar-se uma importante ferramenta de barganha, verdadeiro produto, comercializado como tal”.

O artigo foi tão bem fundamentado, que se tornou Lei na Constituição norte-americana, na década de 1920. Até porque uma nova tecnologia – a invenção do telefone – também gerou novas polêmicas relacionadas à privacidade: as escutas telefônicas passaram a ser uma ferramenta para descobrir, sem autorização, novos fatos que viravam notícia.

A combinação entre o interesse sobre a vida dos outros (ou a espionagem) e as novas tecnologias foi o que determinou a forma como discutimos hoje o conceito de Privacidade. Nossa maior preocupação é a exposição da nossa imagem – que representa, muitas vezes, a nossa intimidade. O que dizer dos dias de hoje, então, em que nossa vida parece ser vigiada o tempo todo na internet? O direito de uma pessoa ter o controle de sua própria exposição é o principal assunto relacionado a Privacidade hoje.

Em pleno século XXI…

… a invasão à vida privada e a informações secretas de empresas continuam a todo vapor.

Em 2011, mais de 30 fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann foram hackeadas e divulgadas na Internet. Um ano depois, Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, revelou em detalhes como a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos espionava a população americana utilizando servidores de empresas como Google, Apple e Facebook. O Brasil estava incluído no caso, inclusive, com a revelação de que as conversas da presidente Dilma Rousseff com seus principais assessores também eram vigiadas.

E não parou por aí: em 2018, o the Guardian e o New York Times revelaram que a empresa de análise de dados Cambridge Analytica tinha utilizado informações de mais de 50 milhões de usuários do Facebook em 2016, sem consentimento, para ações de propaganda política de candidatos republicanos.

Desde esses últimos escândalos, empresas não só de redes sociais, mas também de conteúdo, comércio eletrônico, financeiras, entre outras, têm reforçado suas políticas de privacidade, incluindo as brasileiras.

Em 2016, a União Europeia aprovou a GDPR (General Data Protection Regulation), lei que determina o que pode e não pode ser feito em relação à coleta e tratamento de dados, prevendo punições para as empresas que a desrespeitarem. A Lei vale para quaisquer países que coletarem dados de cidadãos do continente europeu.

Na mesma linha da GDPR, o Brasil caminha para colocar em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018 por Michel Temer. A Lei seria colocada em prática em agosto de 2020, mas teve de ser adiada para 2021 devido à contenção urgente da pandemia do Coronavírus.

Linha do tempo

Privacidade no Mundo

Na América Latina, a Argentina é a mais restrita em relação ao uso de dados pessoais na região, enquanto o Brasil e o Chile se igualam com “mínimas restrições”. Colômbia e Uruguai possuem “algumas restrições”, e no Paraguai, não há “efetivamente nenhuma restrição”.

Privacidade no Mundo

A Europa é a região mais moderada em relação ao uso de dados.

Privacidade no Mundo

Já as potências mundiais, Estados Unidos e China, mesmo com mínimas restrições, possuem governos mais nacionalistas e vigilantes, podendo interferir em regulações e direitos de uso de dados pessoais por medo de espionagem industrial e política, principalmente.

Privacidade no Mundo

O mapa abaixo mostra que ainda há diversos países no mundo que não discutem privacidade de maneira formal. O assunto ainda está longe de ser regulado globalmente.

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Então fica a pergunta:

Devemos abrir mão da nossa privacidade para podermos usufruir dos serviços tecnológicos cada vez mais avançados? A resposta também é simples: não.

E você vai entender na próxima matéria, sobre a nova Lei Geral de Proteção de Dados, o porquê.